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domingo, 22 de janeiro de 2012

Domingo 22/01/2012

Alexandre Filho fala sobre sua trajetória de quase oito décadas
Astier Basílio

No bairro de Santa Tereza, no Rio de Janeiro, um vendedor costumava observar o seu vizinho pintando. Ficaram amigos. Um dia o artista, um mineiro simpático que se chamava Luiz Canabrava, ouviu aquele moço com sotaque paraibano comentar que quando era criança fazia uns desenhos: “Tem umas cartolinas aí. Desenha algo para eu ver”. De posse dos desenhos, Canabrava ficou tão impressionado com o que tinha em mãos que propôs um desafio: “Você pode reproduzir este desenho nas telas, com as tintas?” O ano era 1966. O vizinho, em questão, o artista plástico paraibano Alexandre Filho. Este ano, o pintor, umas das grandes referências na arte naïf brasileira, completa 80 anos.
“O Luiz Canabrava gostou tanto do que eu tinha produzido que me inscreveu no Salão Nacional de Arte Moderna”, recorda. “Eu ganhei uma página do Jornal do Brasil. Uma crítica muito boa do Harry Laus. Ele não é mais vivo hoje, era um grande crítico. A partir daí foi um estouro. Eu larguei o emprego, o Canabrava me disse: ‘Não, não dá para você pintar e ter um trabalho, não’. Fiquei vivendo de pintura. Expus nos Estados Unidos, na Inglaterra, França, Portugal”, contou o artista.
O texto crítico de Harry Laus, “Um ingênuo no Salão de Arte”, é de 1967. A adjetivação “ingênuo” era a maneira como se referiam, à época, aos pintores naïf. Além de analisar a obra de Alexandre, o texto faz referências à chegada do pintor no Rio de Janeiro, em 1959. “Aqui, foi balconista e trabalhou como boy de escritório. Até que descobriu a pintura que pratica há cerca de três anos, vivendo apenas dela”.
Sobre este período, Alexandre diz: “Eu vivia de pintura. Vendi quadros a várias pessoas importantes como Aguinaldo Silva e Aurélio Buarque de Holanda”.

Inspiração para os novos

Ao discorrer sobre sua própria obra, Alexandre diz que não foi o criador da pintura naïf. “Mas eu inovei. E essas inovações causaram impacto”, opina. “Eu sou o criador dessa arte naïf contornada com cores puras. Há vários pintores da Paraíba fazendo, hoje, o que eu já fiz”.
Harry Laus, discorrendo sobre o trabalho de Alexandre Filho, pontua algumas características que acompanham o trabalho do paraibano até os dias de hoje. “Usa cores vivas e contrastantes, principalmente vermelho, verde, laranja, azul, amarelo, roxo. Há uma constante em suas telas que é o caju”. O texto prossegue: “Acha ele que deve ser uma reminiscência da infância, pois nasceu e se criou entre cajueiros. Um de seus quadros mais curiosos é uma cena do Paraíso, onde a maçã tradicional é substituída por um caju, na tentação de Adão e Eva”.
Ao ser perguntado sobre os artistas que se “inspiraram” no seu trabalho, Alexandre despista, com um sorriso. “É até uma satisfação que a minha pintura tenha inspirado a eles, não tenho nada contra isso, não”. Mas estes pintores se inspiraram mesmo nele? “Acho que sim. Mas eles nunca dizem”.
No texto consagrador do JB, o crítico disse que “as composições ingênuas têm, não obstante, uma parcela de surrealismo. Alguns quadros apresentam peixes com patas, montados por anjos e asas coloridas”.
A estada no Rio de Janeiro se prolongou até 1982. “O Rio foi ficando violento, eu resolvi voltar”. Aqui, Alexandre morou um tempo em Guarabira, mas mora em João Pessoa desde 1995.
Olhando para o jeito modesto e simples do pintor é para tomar como profecia as palavras do crítico do JB, ao encerrar sua crítica: “Não somos de fazer vaticínios, mas se sua pintura ingênua puder ser mantida num clima de modéstia, sem grande pressa ou vaidade, a carreira de Alexandre Filho poderá ser muito bem sucedida”.

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